Número 10

Este é o primeiro artigo desta série em que abordaremos as atualizações trazidas pelo Decreto 10.410/2020, norma presidencial publicada no dia 1º de julho de 2020, que representa a maior alteração no Regulamento da Previdência Social – Decreto 3.048/1999.

Verificamos que nos últimos dez anos anteriores ao decreto, foram publicadas 34 novas leis que alteraram as regras previdenciárias, enquanto que o decreto que regulamenta essas regras foi alterado apenas por 8 decretos além desse último. Isso significa dizer que o RPS sobrevivia com uma discrepância histórica que precisava ser corrigida, o que finalmente foi efetivado pelo Decreto 10.410.

Trata-se, em sua maioria, de alterações que já estavam em vigor por força de lei, inclusive nos normativos internos do INSS. No entanto, precisamos nos atentar que foram incluídas algumas novidades, talvez pela oportunidade de serem embarcadas nesse emissário jurídico de novas regras previdenciárias.

Trago neste artigo os principais ineditismos embalados no Decreto 10.410, quando focarei em 10 novidades que julgo serem mais relevantes para o segurado, ficando as demais pulverizadas nos próximos artigos dessa série.

Lembrando que aqui me refiro de novidades realmente inéditas. Largo essa redundância para ressaltar que reservamos para este primeiro episódio as principais alterações inseridas no Decreto 10.410 que não estavam previstas em nenhuma norma anterior, estreando no mundo jurídico a partir da publicação deste vultoso e inovante decreto.

Vamos então às novidades?

1. Previsão de que o vínculo empregatício mantido entre cônjuges ou companheiros não impede o reconhecimento da qualidade de segurado do empregado, excluído o doméstico. (art. 9º, § 27)

Essa classificação do vínculo empregatício entre cônjuges ou companheiros como não impeditivo fortalece as possibilidades para o reconhecimento da qualidade de segurado aos empregados nessas condições. Até então, o entendimento do INSS era restritivo ao reconhecimento deste vinculo empregatício apenas quando se tratava de cônjuge contratado por sociedade em nome coletivo em que participe o outro cônjuge ou companheiro como sócio, desde que comprovado o efetivo exercício de atividade remunerada, conforme preceitua o art. 8º, §2º da IN 77/2015.

Pela nova regra, cai essa restrição de reconhecimento apenas ao empregado de empresa de sociedade coletiva em que participe o cônjuge como sócio, possibilitando tal reconhecimento em qualquer caso, exceto vínculo de empregado doméstico, mantendo logicamente a confirmação do período do vínculo por meio da apresentação de documentos contemporâneos dos fatos em caso de haver dúvida sobre a regularidade das informações existentes no CNIS.

2. Exigência de apresentação de no mínimo dois documentos (em vez de três) para comprovação de vínculo e de dependência econômica, podendo ser processada justificação administrativa caso possua apenas um documento que deve ter sido produzido 24 meses anteriores ao óbito ou prisão, ressaltando a exigência ao cônjuge ou companheiro(a) de acrescentar mais um documento para comprovar a união estável pelo período mínimo de dois anos antes do óbito do segurado. (art. 16, § 6º-A e § 8º, Art. 22, § 3º)

Aqui mudanças que podem causar confusão! Trata-se dos documentos exigidos para comprovação de vínculo de companheiro ou companheira e de dependência econômica para pais, irmãos ou filhos equiparados (enteados e menores tutelados),conforme documentos previstos no § 3º do art. 22 do Decreto 3.048. Até então eram exigidos no mínimo três desses documentos, o que passou para apenas dois.

Quem foram os favorecidos por esta diminuição de três para dois documentos? Os pais, irmãos e filhos equiparados que se elegerem à pensão por morte, já que para estes, passam a ser exigidos apenas dois documentos contemporâneos, ou seja, produzidos no período de 24 meses anteriores ao óbito. Vale aqui ressaltar a mudança trazida pelo art. 22, § 6º-A, em relação ao início de prova que passou a exigir contemporaneidade aos fatos e lapso de existência de 24 meses anteriores ao óbito ou à reclusão.

No entanto, é importante nos atentarmos ao § 8º desse mesmo art. 22, que indica a necessidade do cônjuge ou companheiro(a) ter que comprovar o casamento ou união estável por mais de dois anos para ter o direito a benefício em período superior a quatro meses. Por conta dessa exigência, o companheiro ou companheira fica obrigado(a) a juntar mais um documento, início de prova material que comprove união estável pelo período mínimo de dois anos antes do óbito do segurado. Conclui-se então que houve aí um ajuste que passou a exigir dois documentos dentro do período de 24 meses antes do óbito, mas que destaca a exigência da apresentação por companheiro(a) de mais um documento para comprovação de união estável.

3. [REVOGADO PELO Decreto nº 10.491/2020*] Excluida a manutenção da qualidade de segurado por 12 meses independente de contribuição (período de graça) após a cessação de benefício por incapacidade. (art. 13, II)

Temos aqui uma mudança que merece uma atenção maior pelos segurados que estão desempregados, sem contribuir para o RGPS ou em gozo de benefício por incapacidade. Dizemos que alguém mantém a qualidade de segurado quando ele está contribuindo para a Previdência Social, seja como segurado obrigatório ou facultativo, ou quando está em gozo de benefício, exceto o auxílio-acidente, momento em que conserva todos os seus direitos perante a previdência social.

Essa condição de segurado com direitos previdenciários se mantém durante um período em que o segurado está sem contribuir, por estar desempregado ou por qualquer outro motivo. Trata-se do período de graça que pode ser de 12, 24 ou 36 meses, a depender do caso.

A contagem desse período de graça se iniciava no mês subseqüente ao mês de cessação das contribuições ou do benefício por incapacidade que o segurado recebia. O Decreto 10.410 excluiu então a cessação de benefício por incapacidade como marco inicial do período de graça, o que significa dizer que a qualidade de segurado se mantém durante o recebimento do auxílio por incapacidade temporária ou da aposentadoria por incapacidade permanente, no entanto, não mais se mantém após a cessação destes, contando este período de graça apenas a partir da cessação das contribuições, da segregação compulsória por doença ou da reclusão.

*Tal dispositivo foi novamente alterado pelo Decreto nº 10.491/2020, voltando tudo como era antes, permanecendo até então a manutenção da qualidade de segurado também após a cessação de benefício por incapacidade.

4. Cômputo como tempo de contribuição, exceto para efeito de carência, do tempo de recebimento de benefício por incapacidade intercalado entre períodos de atividades, excluindo a contagem como tempo de contribuição do período de recebimento de benefício por incapacidade acidentário não intercalado, inclusive os anteriores à 13/11/2019. (art. 19-c, § 1º e art. 188-G)

O INSS já vinha praticando o entendimento de que os períodos de recebimento intercalado de auxílio por incapacidade temporária são considerados como tempo de contribuição e não para contagem de carência, embora o que vem acontecendo na prática desde maio de 2020, após a Portaria Conjunta nº 12 do INSS, é o reconhecimento pelo INSS desses períodos também como carência para benefícios requeridos a partir de 20/12/2019, por força da Ação Civil Pública (ACP) de nº 0216249-77.2017.4.02.5101/RJ.

A novidade trazida pelo § 1º do art. 19-C está na exclusão do período de recebimento não intercalado de benefício por incapacidade por acidente do trabalho entre os períodos que podiam ser contados como tempo de contribuição. Isso significa dizer que o benefício por incapacidade, acidentário ou não, devem estar entre períodos de atividades para serem considerados como tempo de contribuição. O novo art. 188-G, por sua vez, traz os períodos anteriores à 13/11/2019, data da última reforma previdenciária, a serem considerados como tempo de contribuição, tendo migrado os períodos antes previstos no finado art. 60, excluindo, da mesma forma, o período em que o segurado esteve recebendo benefício por incapacidade por acidente do trabalho, intercalado ou não.

Resumindo, o novo decreto determina que o auxílio por incapacidade temporária acidentário recebido a qualquer tempo só será considerado como tempo de contribuição se tiver intercalado entre períodos de contribuição, tal como já acontecia com o auxílio por incapacidade temporária não acidentário, reforçando que esse reconhecimento não vale para contagem de carência. Quanto a este reconhecimento também como carência, é o que vem acontecendo na prática no INSS por força da ACP citada.

5. Previsão de possibilidade do segurado contribuir facultativamente, com a mesma alíquota com a qual vinha contribuindo anteriormente, durante os períodos de afastamento ou de inatividade, desde que sem recebimento de remuneração e sem exercício de outra atividade contributiva. (art. 11, § 5º e art. 215, § 35)

Uma novidade que certamente vai causar estranheza aos segurados é a possibilidade de contribuir como facultativo durante os períodos de afastamento, entendido aí como os períodos em que estiver recebendo benefícios por incapacidade. Até então essa contribuição não era possível e, quando realizadas pelo segurado, eram excluídas do CNIS. E se você se pergunta qual deve ser o motivo dessa mudança, talvez os tópicos 3 e 4 tenham essa resposta. A contribuição como facultativo durante o recebimento de um auxílio por incapacidade temporária pode se justificar pela necessidade de contar esse período como carência e de garantir a manutenção da qualidade de segurado após a cessação do benefício.

6. Mudança na regra para quem recebe mensalidade de recuperação por cessação de aposentadoria por incapacidade permanente, passando a permitir recebimento de benefício mais vantajoso desde o primeiro mês de recebimento da mensalidade, sendo que antes só permitia após o sétimo mês quando passasse a receber 50% da mensalidade. (art. 50, § 1º)

Por falar em cessação de benefício, trago uma mudança importante que vai interessar aos segurados que tiverem a sua antiga aposentadoria por invalidez cessada e passarem a receber a mensalidade de recuperação. Para quem passar por uma perícia médica de revisão e tiver a aposentadoria cessada por ter sido verificada a recuperação da sua capacidade laborativa, passa a receber uma mensalidade de recuperação que pode chegar a 18 meses, recebendo 100% da aposentadoria nos 6 primeiros meses, 50% do 7º ao 12º e 25% nos últimos 6 meses. A estes, só era permitido dar nova entrada em novo auxílio a partir do 7º mês deste período, sendo que o decreto agora autoriza nova entrada a qualquer tempo, assegurando a opção pelo benefício mais vantajoso.

7. Possibilidade da desconsideração da extemporaneidade de vínculos e remunerações depois de um ano após a data de inserção das informações. (art. 19, § 4º)

O INSS utiliza informações existentes na base de dados do CNIS para reconhecimento de filiação e de tempo de contribuição para fins de concessão e cálculo de benefícios previdenciários. Acontece que nem sempre essas informações são suficientes para determinar a existência de vínculos e remunerações do segurado, podendo haver pendências que são marcadas com indicadores de variados tipos para que sejam tratados e liberados para utilização, após a apresentação pelo segurado de documentos para comprovação.

Indicadores informam a extemporaneidade de vínculos e remunerações quando estes são inseridos no sistema em períodos fora dos prazos exigidos no art. 19, § 3º, do Decreto 3.048 que também foram alterados pelo decreto atual. Antes o § 4º do referido artigo previa a retirada da extemporaneidade após um ano do documento que gerou essa informação quando relativa à data de início de vínculos, tendo o Decreto 10.410 estendido essa retirada também para extemporaneidade de remunerações e contribuições.

8. Mudança no conceito da efetiva exposição a agente prejudicial à saúde que passa a considerar a sua eliminação ou neutralização pela adoção de medidas de controle previstas na legislação trabalhista. (art. 64, § 1º)

O Decreto 10.410 trouxe alterações relevantes à subseção que trata da aposentadoria especial, muitas delas por conta da reforma previdenciária trazida pela Emenda Constitucional 103/2019 que será tratada aqui em série própria.

Uma alteração que vai mudar a forma de reconhecimento de período especial foi inserida no § 1º do art. 64 do Decreto 3.048 que passa a considerar a eliminação e a neutralização da nocividade da efetiva exposição aos agentes prejudiciais à saúde por meio da adoção das medidas de controle previstas na legislação, como aspectos a serem considerados para não enquadrar esse período como especial, para fins da aposentadoria especial.

9. Exclusão dos períodos de gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez acidentários dentre os períodos de afastamento considerados como tempo de atividade especial. (art. 65, § único)

Antes, o período de gozo dos antigos auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, quando decorrentes de acidente do trabalho e recebidos durante os vínculos de atividade especial, era reconhecido como período especial para cômputo na aposentadoria especial. Após o Decreto 10.410, esse período passa a não ser mais reconhecido, mantendo-se o reconhecimento apenas dos períodos de férias e de percepção de salário-maternidade.

10. Mudança na avaliação dos agentes reconhecidamente cancerígenos para humanos, listados pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia que passam a ser descaracterizados como de efetiva exposição caso sejam adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a sua nocividade. (art. 68, § 4º)

Antes, a presença no ambiente de trabalho de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos era suficiente para a comprovação de efetiva exposição do trabalhador, presunção para enquadramento como período especial que deixa de existir após o Decreto 10.410, por passar a exigir a avaliação dos riscos e dos agentes reconhecidamente cancerígenos. Caso sejam adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição e o referido período não será enquadrado como atividade especial.

Até o próximo artigo desta série!

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