
Este é o primeiro artigo de uma série na qual abordaremos as mudanças trazidas pela Emenda Constitucional nº 103, mais conhecida como última reforma previdenciária, cujas alterações à Previdência Social passaram a vigorar a partir de sua promulgação em 13 de novembro de 2019.
Tal reforma instituída pela E.C. 103/2019 trouxe novas mudanças nas regras previdenciárias em todos os seus dispositivos, adotando o marco inicial para a sua vigência em 13 de novembro de 2019, afetando regras de acesso a benefícios previdenciários que veremos por aqui nessa série de artigos elaborada com o objetivo de esclarecer o máximo de dúvidas que porventura ainda pairam sobre essas alterações que já ultrapassaram meia década.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO BRASIL
No Brasil, a Previdência Social figura entre os direitos fundamentais sociais previstos no art. 6º da Constituição Federal, compondo um sistema amplo de proteção social denominado Seguridade Social, cujas diretrizes gerais constam em dispositivos constitucionais, motivo pelo qual sua alteração exige uma Proposta de Emenda à Constituição – PEC, instrumento democrático necessário para propor alterações à nossa carta magna.
Desde 1988, ano de promulgação da atual Constituição Federal, várias mudanças foram acrescidas aos dispositivos constitucionais que tratam da Previdência Social, ora alterando o regime próprio dos servidores públicos, ora alterando o regime geral, aquele criado para acolher os riscos sociais dos trabalhadores do setor privado por meio dos benefícios previdenciários operacionalizados pelo INSS, cujas alterações serão abordadas nessa série.
Além da última reforma promulgada pela EC 103 de 2019, o Regime Geral de Previdência Social foi alterado por duas outras reformas anteriores, a EC 20 de 1998 e a EC 47 de 2005, todas elas trazendo mudanças relevantes no sistema previdenciário.
Quem nunca ouviu falar do tempo de serviço e da aposentadoria proporcional, ambos extintos na reforma de 1998? E nos critérios diferenciados para aposentadoria de pessoas com deficiência, além do sistema especial com contribuições diferenciadas para inclusão previdenciária de trabalhadores de baixa renda, ambos instituídos pela reforma de 2005 e mantidos na reforma de 2019? Futuramente, tais questionamentos trarão indagações sobre a aposentadoria por tempo de contribuição extinta pela reforma de 2019!
PEC nº 6 de 2019
A última reforma previdenciária foi oriunda da PEC nº 6, Proposta de Emenda à Constituição apresentada ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo em 20 de fevereiro de 2019, com sugestões para alteração em benefícios previdenciários e no BPC, todas submetidas à apreciação dos parlamentares.
Sua tramitação durou quase nove meses, uma gestação na qual passou por transformações até ter a sua redação final aprovada em quatro turnos de votação com média de 70% de votos dos parlamentares, superando o mínimo de 60% necessário, sendo então promulgada em 13 de novembro de 2019 como Emenda Constitucional nº 103.
Como diria o Compadre Washington do Tchan: depois de nove meses você vê o resultado, depois de nove meses você vê o resultado… E que resultado foi esse que você viu?
Vejamos na página da PEC no Senado a seguinte explicação da proposta:
Altera as regras de aposentadoria e pensão aplicáveis aos trabalhadores segurados do Regime Geral de Previdência Social, aos servidores públicos civis e aos detentores de mandato eletivo. Dispõe sobre a contribuição previdenciária extraordinária e a fixação de alíquotas progressivas para a contribuição previdenciária ordinária dos servidores públicos. Dispõe sobre a contribuição previdenciária devida pelo segurado empregado e pelo trabalhador avulso. Dispõe sobre o salário-família e o auxílio-reclusão. Retira da Constituição a possibilidade de ser aplicada a sanção de aposentadoria a membros do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Salientamos que aqui vamos tratar das alterações relacionadas aos segurados do RGPS, trabalhadores a quem se destinam os benefícios previdenciários operacionalizados pelo INSS!
ESTRUTURA DA REFORMA
Antes de seguirmos às alterações propriamente ditas, é importante alguns destaques, de forma a favorecer uma melhor compreensão da estrutura da reforma.
O primeiro deles se refere ao seu marco inicial, cravado em 13 de novembro de 2019, data de promulgação da EC 103, estabelecendo uma linha de corte temporal para adoção das novas regras.
Quanto à organização da EC 103, cabe observar, sugerindo uma leitura minunsciosa aos que estudam a matéria, que a emenda traz dispositivos que podem ser divididos em quatro pilares:
- Alterações em dispositivos que compõem o corpo da Constituição Federal, todas presentes no primeiro artigo da EC 103;
- Alterações nativas presentes em artigos próprios da EC 103;
- Regras de Transição para concessão das aposentadorias àqueles filiados à Previdência Social até 13 de novembro de 2019, de forma a contemplar uma expectativa de direito. Uma espécie de equilíbrio entre as regras antigas e as novas regras para não prejudicar o acesso às aposentadorias por idade e por tempo de contribuição por quem já vinha contribuindo e, portanto, havia percorrido boa parte do caminho; e,
- Disposições Transitórias, a serem utilizadas na concessão de benefícios para aqueles que estarão sob cobertura das novas regras. Embora seja um termo que se confunda com o do tópico anterior, este se refere às normas já previstas na EC 103, com o objetivo de estabelecer novas regras de caráter transitório até que lei discipline, de forma a garantir uma vigência imediata para que não haja vazios legais.
ATENÇÃO!
Regras de transição são utilizadas na concessão de aposentadorias, já que foi modificado o § 7º do art. 201 da Constituição Federal, que trata das aposentadorias do RGPS. Em suma, a aposentadoria por tempo de contribuição deixou de existir nos moldes anteriores, tendo sido instituída a aposentadoria programada que passou a exigir idade mínima e tempo mínimo de contribuição como regras cumulativas de acesso.
Tradicionalmente, sempre que há mudanças das regras previdenciárias, são estabelecidas regras de transição para contemplar quem foi pego desprevenido no meio do jogo!
As disposições transitórias, por sua vez, são regras criadas para definir o jogo até que novas regras sejam criadas por lei, conforme determina a própria Emenda Constitucional. Houve, por exemplo, algumas desconstitucionalizações, ou seja, regras que até então só poderiam ser modificadas por emenda constitucional e que a reforma definiu que passariam a ser modificadas por leis ordinárias ou complementares, normas com menos exigências para aprovação pelo Congresso. Enquanto essas novas leis não são criadas, a própria EC 103 já estabeleceu regras transitórias que passaram a ter vigência imediata.
PRESERVAÇÃO DO DIREITO ADQUIRIDO
Por último e mais importante, destaco o art. 3º da EC 103, que prega o seguinte:
Art. 3º – A concessão de aposentadoria ao servidor público federal vinculado a regime próprio de previdência social e ao segurado do Regime Geral de Previdência Social e de pensão por morte aos respectivos dependentes será assegurada, a qualquer tempo, desde que tenham sido cumpridos os requisitos para obtenção desses benefícios até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, observados os critérios da legislação vigente na data em que foram atendidos os requisitos para a concessão da aposentadoria ou da pensão por morte.
Este dispositivo da reforma veio atender o estabelecido no art. 5º, inciso XXXVI da CF, que diz:
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
Isso significa dizer que as novas regras passaram a ser válidas a partir do marco de promulgação da reforma, não devendo ser utilizadas na análise de benefícios para aqueles que alcançaram os critérios de sua concessão até 13 de novembro de 2019.
Por este prisma, é sempre bom reforçar que nenhum dos benefícios já concedidos pelo INSS foram afetados pelas novas regras da reforma, afinal direito adquirido é direito adquirido!
FATO GERADOR
O INSS utiliza um termo que é bem apropriado para melhor compreensão sobre quem está submetido às novas regras e quem está coberto pelos critérios anteriores à reforma, inclusive de cálculo.
Trata-se do fato gerador!
FATO GERADOR nada mais é do que o acontecimento ou evento que dá ensejo a um benefício previdenciário que estará pronto para cobrir riscos sociais (contingências) que se materializam por meio da ocorrência do fato gerador.
Então o fato gerador da pensão por morte é a morte do segurado; o fato gerador do salário-maternidade é o parto, a adoção ou o aborto espontâneo; o fato gerador da aposentadoria por idade é o alcance da idade mínima e da carência exigidas cumulativamente… E por aí vai!
Importante essa compreensão para entender a aplicação do direito adquirido que assegura o acesso aos benefícios pelos critérios anteriores à reforma para todos aqueles que tiveram fatos geradores ocorridos até o dia 13 de novembro de 2019, mesmo que requeridos após esta data, garantindo a estes os antigos critérios de concessão, cálculo e reajuste de benefícios.
EXEMPLO
Dona Maria, aposentada do INSS, faleceu em 10 de novembro de 2019, deixando Seu João viúvo, que acabou requerendo a pensão por morte apenas no dia 15 após a reforma. Nos próximos artigos, abordarei as novas regras que mudaram consideravelmente as formas de concessão e de cálculo desse benefício. No entanto, como o fato gerador (a morte) da segurada ocorreu antes da reforma, a pensão será concedida utilizando as regras antigas.
Espero ter esclarecido como se deu essa mudança tão relevante de uma reforma que impacta diretamente na vida de todos nós!
Até mais!
Sobre o Autor
0 Comentários